
09 maio Medida Provisória n. 1.116/2022, de 04 de maio de 2022
O Governo Federal fez publicar Medida Provisória instituindo o “Programa Emprega + Mulheres e Jovens”, com quatro eixos distintos, destacando-se dentre eles a adoção de novos parâmetros de contratação e obrigações legais das empresas na celebração dos contratos especiais de aprendizagem.
Iniciamos pontuando, esquematicamente, as principais disposições e alguns comentários sobre cada um desses eixos.
1. Apoio à parentalidade na primeira infância
Obtenível segundo seis medidas práticas:
1.1 Valorização do benefício auxílio-creche, o qual:
a) poderá ser concedido à empregada ou ao empregado que possua filhos entre 4 meses e 5 anos de idade (aqui a norma limita o artigo 28, § 9º, “s”, da Lei n. 8.212, que fala em até 6 anos)
b) não compõe o salário-de-contribuição, não tendo natureza salarial para qualquer efeito e não sendo tributável
c) pode ser instituído por acordo individual
d) desobriga o empregador de manter local para guarda e assistência de filhos no período da amamentação (CLT, 389, § 1º)
1.2 Liberação de FGTS, segundo requisitos a serem estabelecidos por Resolução do Conselho Curador
1.3 Subvenção de instituições de educação infantil pelos serviços sociais autônomos (SESI, SESC e SEST)
1.4 Flexibilização de jornada, com prioridade para empregadas e empregados com filho, enteado ou criança sob guarda judicial de até 4 anos, durante o primeiro ano de nascimento/adoção/guarda, a ser instituída por acordo individual, segundo as seguintes modalidades:
a) teletrabalho (CLT, 75-A a 75-E)
b) tempo parcial (CLT, 58-A)
c) banco de horas (CLT, 59, § 2º), com algumas peculiaridades:
– o § 2º do artigo 59 celetista permite o banco de horas de até 1 ano se negociado coletivamente; o § 5º o permite por até 6 meses por acordo individual; a MP parece estabelecer uma exceção ao prever o banco por acordo individual durante o primeiro ano do filho, assim mesclando o acordo individual do § 5º com o prazo de 1 ano do § 2º
– autoriza o desconto do saldo negativo no TRCT, deixando em aberto se admite a limitação do artigo 477, § 5º, da CLT (parece-nos que a resposta é afirmativa)
d) regime 12×36 (CLT, 59-A)
1.5 Entrada e saída flexíveis: durante o primeiro ano de nascimento/adoção/guarda, quando a atividade o permitir e com limites a serem estabelecidos dentro do jus variandi
1.6 Antecipação de férias: durante o primeiro ano de nascimento/adoção/guarda, com o limite mínimo de 5 dias corridos, pagamento do adicional constitucional de 1/3 diferido para a época de quitação do 13º salário, pagamento do principal diferido para o 5º dia útil do mês seguinte ao início das férias antecipadas e desconto no TRCT do que o empregado tenha usufruído, se pedir demissão
Uma observação importante sobre a hermenêutica aplicável a essas regras cuja natureza é em boa parte exceptiva: os itens 1.4, 1.5 e 1.6 acima são instituídos, na redação da MP, “com vistas a promover a conciliação entre o trabalho e os cuidados decorrentes da paternidade”, então o empregador deve cuidar para que não fique exposto à argumentação de que esse desiderato não tenha sido respeitado.
2. Qualificação de mulheres ¹ em áreas estratégicas para a ascensão profissional
A norma prevê para isso três medidas práticas:
2.1 Liberação de FGTS: segundo requisitos a serem estabelecidos por Resolução do Conselho Curador. Ato do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) estabelecerá as áreas prioritárias
2.2 Suspensão contratual para participação em curso oferecido pelo empregador, com priorização de “áreas que promovam a ascensão profissional da empregada ou áreas com baixa participação feminina, tais como ciência, tecnologia, desenvolvimento e inovação”, na forma do artigo 476-A CLT (período de 2-5 meses), mas aqui excepcionalmente também por acordo individual, bolsa custeada pelo FAT, possibilidade de instituição de ajuda compensatória mensal – sem natureza salarial – paga pelo empregador e necessidade de comunicação ao MTP
2.3 Priorização nas atividades de qualificação promovidas pelos SSA (sistema S) de “mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar com registro de ocorrência policial” ²
3. Apoio ao retorno da mulher ao mercado de trabalho pós-licença-maternidade
Aqui a norma se dirige ao esposo ou companheiro. Diz que “os empregadores poderão suspender o contrato de trabalho dos empregados cuja esposa ou companheira tenha encerrado o período da licença-maternidade para (…) prestar cuidados, estabelecer vínculos e acompanhar o desenvolvimento dos filhos”. Prevê que o empregado nesse período participe de curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, não presencial, assíncrono e com carga horária máxima de 20 horas semanais.
A suspensão se dá na forma do artigo 476-A CLT (2-5 meses), excepcionalmente também por acordo individual e só após o término da licença-maternidade ³. Abre expressamente uma exceção ao § 2º do artigo 476-A, dado que a suspensão pode ocorrer mais de uma vez em 16 meses. A bolsa é custeada pelo FAT, há possibilidade de instituição de ajuda compensatória mensal – sem natureza salarial – paga pelo empregador e necessidade de comunicação ao MTP.
Vale notar que, segundo a norma, a suspensão contratual com bolsa não pode coexistir com uso de creche ou com outra atividade remunerada do pai.
O empregador deve dar ampla divulgação dessa possibilidade a sua comunidade de empregados.
4. Incentivo à aprendizagem
Institui, mediante regulamentação do MTP, o Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes, o qual visa a “garantir o cumprimento integral da cota de aprendizagem profissional”, para todos os estabelecimentos da empresa, mediante oferta de “incentivos para a regularização”.
As empresas e entidades que aderirem ao Projeto terão prazos – interruptivos da prescrição – para regularização da cota de aprendizagem profissional, conforme previsto em regulamentação do MTP. Na vigência do prazo, a empresa aderente não poderá ser autuada pela Fiscalização do Trabalho.
Por 2 anos a cota poderá ser cumprida em qualquer estabelecimento da mesma unidade federativa. A adesão garante também a redução em 50% do valor da multa decorrente de Auto de Infração lavrado anteriormente à adesão ao Projeto, ressalvados os débitos inscritos em dívida ativa da União, e desde que a empresa cumpra a cota mínima ao final do prazo concedido.
A critério do MTP, poderá haver incentivos especiais para os setores econômicos com baixa taxa de contratação de aprendizes.
A MP prevê um prazo máximo de 2 anos para o termo de compromisso.
A norma também modificou sensivelmente o artigo 429 da CLT, prevendo, segundo certos critérios, novos prazos máximos de contratação (até 4 anos) e de idade (até 29 anos).
Outras três novidades relevantes:
a) prevê que o aprendiz contratado ao final como empregado (após a edição da MP) continuará compondo a cota por 1 ano (CLT, 429, § 4º)
b) estabelece que determinada categoria de aprendizes (igualmente contratados após a edição da MP) passará a contar em dobro na cota (CLT, 429, § 5º)
c) amplia a jornada máxima para 8 horas para os aprendizes que tenham completado o ensino médio (CLT, 432, § 3º)
Por fim, o artigo 29 da MP determina que os contratos de terceirização de mão-de-obra prevejam as formas de alocação dos aprendizes da contratada nas dependências da empresa ou entidade contratante.
A MP 1.116 também altera a Lei 11.770/2008 – que instituiu o chamado programa Empresa Cidadã prevendo prorrogação da licença-maternidade por 60 dias para determinada categoria de empresas – estabelecendo que os 60 dias podem ser compartilhados entre a empregada e o empregado, “desde que ambos sejam empregados de pessoa jurídica aderente ao programa e que a decisão seja adotada conjuntamente, na forma estabelecida em regulamento”. Os 60 dias de prorrogação da licença são conversíveis, mediante acordo individual, em 120 dias de redução de 50% da jornada – de qualquer um ou dos dois pais, compartilhadamente –, garantido o salário integral.
Digno de nota que a MP traz para o plano infraconstitucional (CLT, 473, III) a previsão da licença-paternidade de 5 dias do artigo 10, § 1º, do ADCT.
A MP também institui, conforme regulamento do MTP, o Selo Emprega + Mulher de reconhecimento das boas práticas de empregadores que visem ao estímulo à contratação, à ocupação de postos de liderança e à ascensão profissional de mulheres, à divisão igualitária das responsabilidades parentais e à promoção da cultura de igualdade entre mulheres e homens. O escopo desse selo de qualidade parece diminuído, porém, quando o prevê também à simples oferta de acordos flexíveis de trabalho ou concessão de licenças.
Nesse passo em que a norma mexe com políticas públicas estruturantes não se pode deixar de notar, em linha com os estudos mais modernos do tema, a ausência de referência a um recorte racial. Na mesma linha, notamos que o texto da Medida no geral se refere a homem e mulher (esposo/a e companheiro/a), adotando a dicção literal do artigo 226 da Constituição Federal, o que demanda uma leitura complementar segundo as decisões do Supremo Tribunal Federal na apreciação da ADI 4277 e da ADPF 132 sobre união entre pessoas do mesmo sexo.
Por fim, a MP 1.116 fez-se acompanhar da edição, na mesma data, do Decreto n. 11.061, alterando duas normas de mesma categoria que dispõem sobre o tema da aprendizagem e sobre atribuições do Conselho Curador do FGTS.
¹ Preferimos manter a redação simplificada da própria norma.
² A necessidade do registro policial insere o dispositivo no debate acerca da viabilidade desse tipo de medida.
³ A norma adota aparentemente o referencial winnicottiano da teoria do desenvolvimento infantil.