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02 abr MEDIDA PROVISÓRIA 936 DE 2020 – PROGRAMA EMERGENCIAL DE MANUTENÇÃO DE EMPREGO E RENDA :: ANÁLISE JURÍDICA E PONTOS PRINCIPAIS
Com o recrudescimento da crise derivada da pandemia de coronavírus, o Governo Federal editou a Medida Provisória 936, de 1º de abril de 2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda e dispõe sobre outras medidas que se aplicam às relações de trabalho.
O presente exame tem a finalidade de sistematizar as novas regras, em especial para que sejam melhor compreendidas pelas empresas, quer quanto ao conteúdo, quer quanto a eventual aplicabilidade em seus casos específicos, quer quanto, ainda, a eventuais riscos em cada uma das hipóteses que prevê.
Por isso, ressalvamos desde já que a presente análise (i) não é exaustiva, (ii) não abordará questões de minúcias interpretativas, exceto aquelas que contemplem reais riscos para as empresas e/ou potenciais inconstitucionalidades e (iii) procurará uma abordagem esquemática que não seguirá cartesianamente a sequência de artigos da MP.
I – Primeiros esclarecimentos. O que não se pode esperar da MP. Qual é o meio mais seguro e recomendado para adoção das medidas previstas na regra
A publicação da MP foi antecedida de entrevistas de autoridades públicas, em especial vinculadas ao Ministério da Economia, bem como de circulação de briefings sobre o conteúdo do Programa, em ambos os casos com conteúdo ou diverso, ou mais abrangente do que realmente está previsto na regra jurídica como foi publicada.
Por isso, é fundamental que se estabeleçam as seguintes ressalvas e premissas iniciais:
1 – A MP não socorre genericamente as empresas. Há regras específicas que consideram, como linha de corte, a receita bruta anual, o valor salarial pago a cada empregado e determinadas espécies de contrato de trabalho. Por isso, as soluções devem ser buscadas caso a caso, conforme a realidade da empresa e dos empregados atingidos.
2 – A MP não prevê ajuda financeira às empresas para pagamento de salários, genericamente. Esse ponto é fundamental. Quando se divulga um programa como esse, a tendência é utilizar manchetes otimistas, que superfaturam as suas melhores características. Por isso, é fundamental esclarecer que a disposição da União para custeio de parte de salários depende de adoção (i) de redução proporcional de salário e jornada e/ou (ii) suspensão temporário do contrato de trabalho. Para as empresas que continuam operando, com dificuldade, e que não podem ou não querem adotar quaisquer das duas hipóteses acima referidas, não há previsão de auxílio para custeio de suas folhas de pagamento.
3 – O Benefício Emergencial de que trata a MP é provisório e, na melhor das hipóteses, será pago por 90 dias. Por isso, não se trata – ao menos não ainda – de auxílio que poderá ser postergado para o período posterior ao arrefecimento da crise de saúde pública, momento em que ainda estará em pleno vigor, infelizmente, a crise econômica por aquela gerada.
4 – A MP 936 não prevê auxílio nem flexibiliza regras legais quanto a rescisões de contrato de trabalho. As empresas que têm necessidade de reduzir o quadro funcional, em decorrência da crise econômica gerada pela crise sanitária, não encontrarão nesta medida governamental qualquer tipo de flexibilização, quer quanto a valores, quer quanto a prazo, para pagamento de parcelas decorrentes de extinção de vínculos de emprego. Pelo contrário, todas as medidas previstas na MP têm a premissa axiológica da manutenção do emprego.
5 – A utilização das duas hipóteses previstas na MP – (i) redução de salário com redução de jornada e/ou (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho – traz como consequência normativa inafastável a garantia provisória de emprego. Isso significa que a adoção das duas hipóteses, com o aproveitamento do Benefício Emergencial pecuniário, trará como consequência não despedir os empregados no curso do período de redução e/ou suspensão. Por isso, é preciso que se avalie bem quais serão as necessidades de cada empresa, antes de traçar o seu plano de ação, uma vez que a necessidade de despedir trabalhadores acarretará como possível consequência a perda dos benefícios do programa. Isso será melhor explicado abaixo.
6 – Embora a MP aponte que a adoção das medidas de (i) redução proporcional de salário e jornada e (ii) suspensão temporária do contrato de trabalho possam ser feitas por acordos individuais, o próprio texto normativo estabelece que as medidas mais impactantes e que atingem um grande percentual dos trabalhadores, pela faixa salarial, devem ser previstas pela via da negociação coletiva, resultando em Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho. Nesse aspecto, como alerta introdutório e reiterando posicionamento já manifestado anteriormente, recomendamos que as empresas invistam na negociação coletiva, como primeira tentativa, inclusive para utilizar os mecanismos previstos nesta MP. Isso oferece maior segurança jurídica, em especial porque há muita resistência interpretativa para acolhimento de acordos individuais que impactem no valor do salário pago.
Estabelecidas as primeiras ressalvas, passamos a enfrentar o texto normativo.
II – Estruturação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda
A MP trata de 3 (três) institutos principais no Capítulos II, nas respectivas Seções II, III e IV: (i) do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda (artigos 5º e 6º), (ii) da redução proporcional de jornada e de salário (artigo 7º) e (iii) da suspensão temporária do contrato de trabalho (art. 9º).
É fundamental que se compreenda o que significa cada uma dessas partes.
O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda constitui em um pagamento que a União fará, através do Ministério da Economia, aos trabalhadores que forem atingidos por alguma das duas medidas previstas na MP (redução salarial e suspensão temporária). Para bem da clareza, não se trata de instituto autônomo, independente das demais medidas previstas na MP – exceto quanto aos contratos de trabalho intermitentes em vigor (art. 18), para os quais (exclusivamente) haverá o pagamento do benefício emergencial fora das hipóteses de redução salarial e/ou suspensão do contrato de trabalho.
A redução proporcional de salário e jornada constitui alteração contratual produzida por acordo individual (segundo a MP) ou coletivo, que impacta nas duas obrigações principais do contrato de trabalho: a execução do trabalho e o pagamento do salário, sendo que ambas continuam a ser executadas, porém em modo reduzido. Veja-se que, aqui, não há paralisação (suspensão ou interrupção) da execução das obrigações contratuais, mas apenas diminuição em sua extensão e valor.
A suspensão temporária do contrato de trabalho, por sua vez, significa a paralisação das duas obrigações principais, a de trabalhar e a de pagar salário. No caso da hipótese prevista na MP há suspensão do trabalho, mas pagamento – não de salário, mas de Benefício Emergencial, pela União, e de ajuda compensatória mensal (dependendo do caso), pelo empregador – de valores ao empregado.
Portanto, a MP não prevê três possibilidades de flexibilidade ao empregador, mas duas possibilidades e, nestas, uma medida de auxílio contraprestativo, pela União, aos trabalhadores.
III – Do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda
Já feito o esclarecimento de que se trata de um pagamento que será realizado pela União aos trabalhadores, via Ministério da Economia, para compensar redução ou supressão de salário, convém esclarecer sobre as hipóteses de incidência, o procedimento, o prazo de duração, o valor e as excludentes previstas na regra.
Hipóteses de incidência. O Benefício Emergencial será pago em três hipóteses: (i) se e quando a empresa ajustar a redução proporcional de jornada e salário; (ii) se e quando a empresa ajustar a suspensão temporária do contrato de trabalho; (iii) se e quando a empresa mantiver empregados em contrato de trabalho intermitente. Como já dito, não haverá pagamento de Benefício Emergencial meramente para “complementar” a folha de pagamento, caso mantida a jornada de trabalho ou não estabelecida a suspensão.
Procedimento. A MP não esclarece exaustivamente como será operacionalizado o pagamento. Já adianta, no art. 5º, § 4º, que haverá “Ato” do Ministério da Economia tratando da forma de transmissão de informações pelo empregador e da concessão e pagamento do benefício. O que a regra diz é que a primeira parcela será paga “no prazo de trinta dias, contado da celebração do acordo” (art. 5º, II), desde que haja a informação ao Ministério da Economia no prazo de 10 dias (art. 5º, I).
Prazo de duração. Segundo a MP, o Benefício Emergencial é mensal e será devido a partir da data em que implementada uma das duas hipóteses previstas na regra (art. 5º, § 2º). Segundo o inciso III, do § 2º, do art. 5º, o “Benefício Emergencial será pago exclusivamente enquanto durar a redução ´proporcional ou a suspensão temporária do contrato de trabalho”. Ocorre que estas duas medidas têm prazo limitado na própria MP. A redução proporcional de salário e jornada poderá ser acordada “por até noventa dias” (art. 7º). Já a suspensão temporária do contrato de trabalho poderá ser ajustada “pelo prazo máximo de sessenta dias” (art. 8º). Isso significa que, na melhor das hipóteses, o Benefício Emergencial será pago por 90 dias, se a hipótese for a de redução proporcional de salário e jornada.
Valor. Segundo o art. 6º da MP, o valor do Benefício Emergencial terá “por base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito”. A regra distingue o valor pela hipótese ajustada: (i) se houver redução de salário e jornada, aplicar-se-á sobre a base de cálculo o mesmo percentual da redução (se usados os percentuais sugeridos pela MP, de 25%, 50% e 70%); (ii) se houver suspensão do contrato de trabalho, o valor mensal será de 100% da parcela para as empresas com receita bruta anual (ano-base 2019) de até R$ 4.800.000,00, e de 70% para as empresas com receita bruta maior.
A distinção acima prevista, para a hipótese de suspensão do contrato de trabalho, está explicitada no art. 8º, § 5º, que obriga o pagamento de uma “ajuda compensatória mensal” – sem natureza salarial, antecipa-se – de “trinta por cento do valor do salário do empregado”. Sobre esta “ajuda compensatória mensal”, além da natureza indenizatória que está prevista de forma expressa na lei, pode-se antecipar outras duas coisas: (i) esse percentual é mínimo, podendo ser pactuado em patamar superior; (ii) ao dizer “salário do empregado”, em princípio, a MP se refere ao complexo salarial, e não ao salário-base, embora seja possível sustentar diversamente, como adiante trataremos.
Excludentes de pagamento. As excludentes de pagamento do Benefício Emergencial estão previstas no art. 6º, § 2º. Não recebem o benefício: os empregados: (i) que ocupam cargos ou empregos públicos, cargos em comissão ou titulares de mandato eletivo; (ii) que gozam de benefício de prestação continuada do INSS ou outro regime de previdência social (com ressalva de pensão por morte ou auxílio-acidente), que estão recebendo seguro-desemprego e que recebem bolsa-auxílio do art. 2º-A da Lei 7.998 de 1990.
A última referência contida no item “c”, do inciso II, do § 2º, do art. 6º da MP deixa claro – se ainda pudesse haver dúvida – que o Programa instituído pela MP não exclui ou substitui a possibilidade de que haja ajuste de suspensão temporária para qualificação do trabalhador, nos moldes do art. 476-A da CLT. Em outras palavras, fica reforçada a conclusão de que estão à disposição de empresas e empregados todas as outras possibilidades de flexibilidade previstas na CF/88 e na CLT, além das medidas emergenciais previstas na MP 936 de 2020.
IV – Redução proporcional de jornada de trabalho e salário
O art. 7º da MP prevê hipótese de redução proporcional de jornada de trabalho e salário dos empregados, pelo prazo máximo de 90 dias, estabelecendo alguns requisitos que serão logo adiante examinados. Antes de aprofundar as regras contidas na MP, contudo, convém estabelecer algumas premissas de ordem teórica e prática, sobre o que realmente esta MP vem a regular.
Em primeiro lugar, é de se saber se há outras possibilidades, que não as previstas na MP, que ainda podem ser utilizadas pelas empresas e trabalhadores para fazer frente à crise gerada pela pandemia. Quanto a isso, não pode haver dúvida de que esta MP não passou a regular exaustivamente as possibilidades de redução de salário e de jornada previstas, tanto na CF/88, quanto na CLT. Com efeito, vê-se que a MP cria um procedimento que obriga a uma proporcionalidade de redução entre salário e jornada, enquanto a CF/88 e a legislação infraconstitucional não definem a proporcionalidade como uma premissa inafastável.
Com efeito, o art. 7º, VI, da CF/88, respeitadas leituras hermenêuticas mais herméticas, diz que por negociação coletiva pode haver redução de salário. Não obriga textualmente a tal redução proporcional de jornada de trabalho, embora isso possa ser contemplado no bojo da negociação coletiva e a jurisprudência trabalhista venha entendendo que deve haver, na negociação, uma salvaguarda de contrapartida.
Novamente, portanto, reforça-se o argumento de que todo o arsenal normativo vigente está à disposição dos atores sociais, em paralelo ao que trata a MP, para enfrentar o momento de crise. A própria MP assim define quando, no art. 11, diz que as medidas (ambas, de redução de salário e jornada e de suspensão temporária do contrato de trabalho) podem ser ajustadas de forma diversa. Se isso ocorrer, entretanto, haverá efeitos diversos quanto ao Benefício Emergencial pago pela União, conforme previsto no art. 11, §§ 1º e 2º.
Em segundo lugar, retornando ao Programa implementado pela MP, é fundamental que se enfrente a questão jurídica adjacente à forma do ajuste: é seguro e eficaz aplicar as medidas por acordo individual? Segundo o art. 7º, II, a redução proporcional de jornada e salário será pactuada “por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos”.
A redução de salário e jornada por acordo individual é notoriamente polêmica no meio jurídico. A literalidade do art. 7º, VI, da CF/88 faz parecer, em primeiro momento, que há antinomia entre a regra constitucional e o texto da MP, de hierarquia inferior. De fato, entendemos que este é um ponto de atenção às empresas.
Embora possa ser sustentado que o momento emergencial e o fato social que precedeu a norma justifica a flexibilidade de regras protetivas, inclusive de assento constitucional, abstraindo a saudável controvérsia jurídica adjacente, o fato é que as empresas não devem correr o risco de adotar prioritariamente uma solução que, no futuro, gere controvérsia e potencial passivo judicial.
Mais do que isso, embora a MP aponte para a aparente primazia da solução do acordo individual ao longo do seu texto, no art. 12 a regra deixa clara a dificuldade de implementação de uma solução geral para as empresas, pela via de pactuações individuais. Vale, aqui, a reprodução da literalidade do artigo e o destaque no parágrafo único:
Art. 12. As medidas de que trata o art. 3º serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva aos empregados:
I – com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais); ou
II – portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Parágrafo único. Para os empregados não enquadrados no caput, as medidas previstas no art. 3º somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, prevista na alínea “a” do inciso III do caput do art. 7º, que poderá ser pactuada por acordo individual.
(grifou-se)
Segundo a MP, as medidas emergenciais nela previstas poderão ser adotadas, por acordo individual, com os empregados que recebem até R$ 3.135,00 mensais e mais do que R$ 12.202,12 e possuam nível superior. Ora, e para os que recebem mais do que R$ 3.135,00 e menos do que R$ 12.202,12, ou para os que recebem mais do que isso, mas não tem nível superior?
Para estes trabalhadores, integrantes de uma faixa salarial intermediária – e lembrando aqui que, em leitura mais prudente, salário é o complexo remuneratório (que inclui adicionais, comissões, etc), embora se possa sustentar que a regra refere-se a salário em sentido estrito (salário-base) –, quase todas as possibilidades dependerão de negociação coletiva, conforme explicita o parágrafo único. A suspensão do contrato de trabalho, nestes casos, apenas poderá ser pactuada por acordo ou convenção coletiva. E a redução proporcional de salário e jornada, por sua vez, apenas poderia ser pactuada por acordo individual no patamar mínimo previsto na regra (25%).
Vale ainda uma outra referência, especialmente considerando o que realmente significa pactuar o ajuste por “acordo individual escrito”, como quis a MP (art. 7º, II). Ao contrário do que já se ouviu falar e se leu por aí, “acordo individual escrito” e “decisão unilateral da empresa” não são a mesma coisa. O acordo individual escrito pressupõe que haja uma proposta da empresa e, pelo menos, um aceite formal do empregado. A própria MP estabelece o “rito”, dizendo no mesmo inciso II que o acordo individual escrito “será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos”.
Ora, “encaminhar” o acordo individual escrito com antecedência mínima de dois dias ao empregado, sabe-se, não resolve o problema. Para o acordo ser válido – ressalvada a questão jurídica antes levantada – o empregado precisará, pelo menos, aceitar e firmar o “acordo”, já que há uma expressão previsão de forma como premissa de validade do negócio jurídico. Mas, e se o empregado não aceitar o “acordo” proposto? Poderá a empresa obrigá-lo a aceitar, ou implementar a medida sem esse requisito? A resposta é não.
Vê-se, portanto, que há problemas de, pelo menos, três ordens para que o ajuste das medidas seja prioritariamente implementado por negociação individual: (i) uma indesejável potencial discussão jurídica sobre constitucionalidade; (ii) uma restrição ao grupo talvez significativo dos empregados das empresas, para os quais a maioria das medidas previstas na MP dependem de negociação coletiva; e (iii) uma no mínimo difícil implementação e operacionalização do ajuste por “acordo individual escrito”.
Por esse motivo, em nosso entendimento, as empresas devem priorizar a tentativa de utilização das medidas propostas na MP pela via da negociação coletiva. Para isso, precisam definir internamente as suas necessidades e possibilidades, verificar qual das duas modalidades melhor se adaptariam ao seu perfil e, a partir daí, provocar o sindicato dos trabalhadores para um processo de ajuste coletivo destas medidas.
Na hipótese de recusa à negociação, ou impasse quanto às condições, com toda cautela, e conhecendo os riscos adjacentes, devem buscar a aplicação das regras contidas na MP pela via do acordo individual com os seus empregados.
Por fim, ainda que adotada a redução por acordo individual, há na MP uma regra que obriga que as empresas comuniquem aos sindicatos profissionais a realização dos acordos, no prazo de até 10 dias corridos, contados da data da celebração (art. 11, § 4º).
Em terceiro lugar, o momento é de enfrentar as regras específicas e os procedimentos previstos na MP, quanto à redução proporcional de jornada e salário, o que se faz abaixo, esquematicamente:
Deve haver a “preservação do valor do salário-hora”. Essa previsão redunda a intenção do legislador de que não haja simples redução salarial, ou redução salarial em proporção maior do que a de jornada. Vê-se que a MP define três possibilidades, como regra: 25%, 50% e 70% de redução, sempre proporcional (salário e jornada).
Entretanto, essa regra não é absoluta. Com efeito, o § 1º do art. 11 diz que “a convenção ou o acordo coletivo de trabalho poderão estabelecer percentuais de redução de jornada de trabalho e de salários diversos dos previstos no inciso III do caput do art. 7º”. Se isso ocorrer, há adaptação da regra do pagamento do Benefício Emergencial, conforme incisos I a IV, incluindo hipótese do não pagamento do auxílio (redução inferior a 25%).
A seguinte dúvida pode surgir: por negociação coletiva, seria possível negociar uma redução de jornada proporcionalmente menor do que a redução do salário? Nos parece que, por negociação coletiva, isso é plenamente possível, conforme acima já afirmado. Entretanto, se for utilizada essa modalidade da MP, nos parece que cai uma das premissas para o pagamento do Benefício Emergencial proposto e pago pelo Governo Federal, qual seja a da estrita proporcionalidade. Por isso, a nossa recomendação de que, caso negociado percentual de redução diverso daquelas três hipóteses previstas na lei, seja mantida a proporcionalidade entre redução de jornada e salário, para que seja inquestionavelmente exigido o Benefício Emergencial.
Prazo de até 90 (noventa) dias. Não custa repetir, a MP viabiliza o pagamento do Benefício Emergencial por até 90 dias. A partir deste prazo, não se pode esperar, nesta modalidade, o complemento do ganho do trabalhador. Isso não significa que não se possa, por negociação coletiva, estabelecer prazo maior para a redução de salário e jornada, mas é certo que essa extensão não será coberta pelo auxílio financeiro da União.
Ressalvada a questão já abordada quanto à conveniência do ajuste por acordo individual escrito, fica claro que, adotada esta modalidade, em hipótese alguma o acordo poderá transbordar o prazo máximo previsto na MP.
Impossibilidade de realização de sobrejornada. A MP não trata disso expressamente, mas vale o alerta para neutralizar manifestações apressadas que já estão circulando na mídia e nas redes sociais. Para que se garanta a validade e, portanto, os efeitos jurídicos do ajuste, a redução da jornada precisa ser efetiva e real. Não é possível que haja a redução e, por outro lado, a fática manutenção do volume de horas de trabalho. Mais do que isso, o eventual “problema” eventualmente gerado pela necessidade de mais trabalho, além daquele realizado na jornada reduzida, não é suprível pela realização e pagamento de horas extras. Isso desvirtuará o ajuste, gerando o risco de invalidação, inclusive com a repetição do valor recebido da União.
Hipóteses de retorno à situação original. Caso tenha sido pactuada a redução proporcional de salário e jornada, a situação deverá voltar ao normal ao término do prazo ajustado, individual ou coletivamente, que não poderá ser superior a noventa dias (art. 7º, parágrafo único, II). Antes disso, o reestabelecimento da normalidade poderá ocorrer pelas hipóteses do art. 7º, parágrafo único: cessação do estado de calamidade pública (I) e data em que o empregador comunique o empregado sobre a sua decisão de antecipar o retorno à normalidade (II).
Concessão de garantia provisória de emprego. O art. 10 da MP determina que os empregados que receberem o Benefício Emergencial em decorrência das duas medidas (redução de salário e jornada e suspensão do contrato de trabalho) gozarão de garantia provisória de emprego. O prazo de garantia provisória inicia na adoção da medida, perdura durante o período de exceção e se prorroga pelo mesmo prazo de duração do ajuste. Por exemplo, se for ajustada a redução proporcional de salário e jornada por 30 dias, a garantia é de 60 dias. Se foi ajustada a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias, a garantia provisória no emprego é de 120 dias.
Em se tratando de garantia provisória no emprego, embora não precisasse, a MP reforça que a proteção não subsiste em pedidos de demissão e despedida por justa causa.
Embora a MP trate a proteção como garantia provisória no emprego, na verdade ela estabelece uma regra de indenização pecuniária na hipótese da quebra do ajuste. Com efeito, o § 1º do art. 10 autoriza que o empregado seja despedido no período da proteção, caso em que receberá (i) as parcelas rescisórias ordinariamente devidas e (ii) indenização adicional, nos termos dos incisos. Neste aspecto, registre-se que para a hipótese de suspensão do contrato de trabalho ou redução superior a 70%, o valor corresponderá a 100% dos salários do período faltante da garantia no emprego.
V – Suspensão temporária do contrato de trabalho
A segunda medida prevista na MP é a suspensão temporária do contrato de trabalho, prevista no art. 8º. Sobre essa modalidade, é preciso fazer algumas referências iniciais, antes de abordar as questões de ordem mais práticas.
Em primeiro lugar, a medida prevista na MP não se confunde com a suspensão do contrato de trabalho para qualificação do trabalhador prevista no art. 476-A da CLT (lay off). São modalidades distintas, inclusive porque a MP faz referências em separado à hipótese do art. 476-A, quando, por exemplo, diz no art. 17, I, que “o curso ou programa de qualificação profissional de que trata o art. 476-A da Consolidação… poderá ser oferecido pelo empregador exclusivamente na modalidade não presencial…”. A suspensão de que trata a MP não exige curso de qualificação, tem prazo inferior ao previsto na modalidade Celetista e recebe distinto tratamento do ponto de vista contraprestativo.
Com já dito acima, o lay off continua sendo uma possibilidade para trabalhadores e empresas para o enfrentamento deste momento de crise, desde que preenchidos os pressupostos para a sua adoção, inclusive a imprescindível negociação coletiva.
Em segundo lugar, as mesmas ponderações realizadas quanto à adoção da medida por acordo individual escrito, realizadas acima, valem para esta modalidade. Objetivamente, a suspensão do contrato de trabalho poderá acarretar a diminuição dos valores recebidos pelo empregado. Em alguns casos, obrigatoriamente acarretará, como por exemplo para as empresas com receita bruta inferior aos R$ 4.800.000,00 anuais (ano-base 2019).
Por isso, mesmo que a MP autorize a adoção da suspensão do contrato de trabalho por acordo individual – e o faz, no art. 8º, § 1º – a nossa recomendação é a de que, havendo ambiente de diálogo coletivo, se o faça por acordo ou convenção coletiva de trabalho.
As mesmas dificuldades, já apontadas acima, que terão as empresas para adoção da redução de salário e jornada – jurídicas, no futuro, e de ordem prático-procedimental, no presente – valem para a suspensão do contrato de trabalho.
Convém ressaltar, neste aspecto, que para uma gama importante de trabalhadores, que recebem salários na faixa intermediária entre R$ 3.135,00 e R$ 12.202,12, simplesmente não há possibilidade legal de adotar a suspensão por acordo individual (art. 12, caput e parágrafo único).
Em terceiro lugar, assim como fizemos na modalidade anterior, passamos a enfrentar as regras específicas e os procedimentos previstos na MP quanto à suspensão temporária do contrato de trabalho, esquematicamente:
Suspensão é suspensão. Suspenso o contrato de trabalho, não pode haver trabalho, em qualquer modalidade. Embora sequer fosse preciso mencionar, a MP é explícita ao dizer que, havendo trabalho no período, fica descaracterizada a suspensão e o empregador estará sujeito a (i) pagamento imediato da remuneração e dos encargos dos quais ficara isento, (ii) penalidades impostas em lei, (iii) sanção prevista em acordo ou convenção coletiva (se houver) e (iv) multas administrativas previstas na Lei 7.998/90 (art. 8º, IV, e art. 14).
Prazo. O prazo máximo de suspensão é de 60 dias, conforme caput do art. 8º, mas pode haver fracionamento em dois períodos de 30 dias. Veja-se, portanto, que não há obrigatoriedade de que a suspensão seja realizada uma única vez, o que viabiliza adequação às empresas.
Manutenção de “benefícios”, para todos, e de pagamento pelo empregador, para alguns. Embora a MP trate de hipótese de suspensão do contrato de trabalho, a regra prevê que os “benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados” devem ser mantidos” (art. 8º, § 2º). Embora a MP não diga especificamente quais são os benefícios, presume-se que são aqueles pagos ou concedidos normalmente pela empresa, sem natureza salarial e com fato gerador presente. Por exemplo, está mantido plano de saúde e o vale-alimentação. Não está mantido, por exemplo, o vale-transporte, já que não há deslocamento ao trabalho.
Quanto às parcelas salariais pagas, elas são suprimidas, o que faz parte do próprio conceito de suspensão do contrato de trabalho.
Ainda assim, a MP diferencia as empresas, pelo seu porte, para fins de manutenção de algum pagamento ao empregado pelo empregador, conforme art. 8º, § 5º. Para as empresas com receita bruta anual superior a R$ 4.800.000,00 (ano-base 2019) deve haver o pagamento de uma “ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado”.
Sobre essa ajuda compensatória, nos parece que valem as seguintes observações: (i) ela é mínima, podendo ser pactuado percentual maior, conforme art. 9º, § 1º, I; (ii) terá natureza indenizatória; (iii) deve ser calculada com base no salário (sobre isso, ver ponderação acima); (iv) não integrará base de cálculo de INSS, FGTS, IRPF e outros tributos incidentes sobre a folha. O art. 9º da MP esmiúça estas regras.
O empregado, caso queira, terá a incumbência de realizar recolhimento de INSS como segurado facultativo (art. 8º, § 2º, II).
Garantia provisória de emprego. Valem para a suspensão do contrato de trabalho as mesmas observações, sobre o tema, realizadas acima para a redução de salário e jornada.
Hipóteses de retorno à situação original. São as mesmas previstas para a modalidade anterior.
VI – Algumas dúvidas que podem surgir na aplicação da MP
Sem prejuízo de outras, apontamos algumas questões relevantes e ainda não abordadas acima.
1 – É possível haver a acumulação das duas medidas?
A resposta é positiva, mas, evidentemente, não de forma concomitante. Uma empresa que adotar a suspensão do contrato de trabalho poderá, depois, ajustar a redução proporcional de salário e jornada. Ressalva-se apenas o que diz o art. 16 da MP:
Art. 16. O tempo máximo de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho, ainda que sucessivos, não poderá ser superior a noventa dias, respeitado o prazo máximo de que trata o art. 8º.
Ou seja, a eventual cumulação das duas hipóteses não pode ultrapassar o prazo máximo de 90 dias.
2 – A empresa enquadrada na menor faixa de faturamento, embora não obrigada, pode ajustar o pagamento de “ajuda compensatória” para aumentar o ganho do trabalhador durante adoção das medidas?
Sim, o art. 9º da MP diz que as empresas “podem” pagar esta parcela em acumulação ao Benefício Emergencial. Para as de maior faturamento, entretanto, no caso de suspensão do contrato de trabalho, o pagamento é obrigatório, no mínimo de 30% do valor do salário.
3 – Durante quanto tempo as regras previstas na MP valerão?
Durante o estado de calamidade pública, de que trata o Decreto Legislativo 06/2020.
4 – Se houver implementação por negociação coletiva, os empregados precisam aderir individualmente para que as regras tenham validade?
Não. A adoção por negociação coletiva obriga a todos os empregados, não podendo haver recusa eficaz. Registre-se que a MP flexibiliza os mecanismos de consulta aos trabalhadores pelo sindicato (art. 17, II).
5 – A MP é aplicável para aprendizes e trabalhadores em regime de tempo parcial?
Sim. Art. 15 é expresso nesse sentido.
VII – Conclusão
A presente análise decorre de uma primeira leitura da regra. Ela será atualizada, na medida em que houver complementação normativa pelo Ministério da Economia.
A orientação do nosso escritório para as empresas é que examinem se as hipóteses previstas na MP as auxiliam, e em que medida. A partir daí, façam os seus programas para serem implementados, ou por negociação coletiva, se possível, ou por acordos individuais, com as ressalvas acima estabelecidas.
Porto Alegre — São Paulo, 02 de abril de 2020.
Guedes, Pedrassani Advogados