14 jul Lei Federal 14.020/2020 e Decreto 10.422/2020 :: Análise jurídica objetivo-esquemática
Considerando a conversão da Medida Provisória 936 de 2020 na Lei Federal 14.020/2020, com algumas alterações, bem como a publicação do Decreto 10.422/2020, que estende os prazos de suspensão temporária do contrato de trabalho e redução proporcional de salário e jornada, fazemos abaixo análise objetivo-esquemática das referidas normas, com intuito de esclarecer e nortear a conduta das empresas. Registramos que a presente análise atualiza e complementa o exame que fizemos quando da edição da MP 936/2020, igualmente publicado, que devem ser lidas em conjunto.
I – Contornos norteadores
1. A finalidade da Lei é estabelecer um programa de enfrentamento ao estado de calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo 06/2020, cujo termo final, em princípio, dá-se em 31/12/2020.
2. A Lei estabelece a possibilidade de pagamento de um benefício emergencial (BEm) aos trabalhadores envolvidos nas duas possibilidades de alteração contratual temporária. O texto legal condiciona o direito ao atendimento de determinados requisitos, de modo que nem todo o trabalhador envolvido terá esse direito.
3. A Lei permite que o empregador adote duas medidas: (a) redução proporcional de jornada de trabalho e de salário (RPJTS) e/ou (b) suspensão temporária do contrato de trabalho (STCT).
4. A adoção dessas duas medidas pode ocorrer por negociação coletiva (CCT/ACT) e/ou por acordo individual entre empresa e empregado (AcIn).
5. Adotadas quaisquer das medidas, é dever do empregador comunicá-lo ao Ministério da Economia, no prazo de 10 dias, na plataforma própria. O cumprimento deste prazo garante – em tese – o pagamento do BEm no prazo previsto na norma.
6. É dever do empregador comunicar o sindicato profissional, no prazo de 10 dias, quando formalizado AcIn. A regra foi mantida e declarada constitucional, por decisão do STF.
7. É obrigatória a observância de lapso de dois dias para produção de efeitos de quaisquer das medidas, quanto ao início ou quanto ao retorno ao trabalho.
II – Redução parcial e proporcional de jornada de trabalho e de salário (RPJTS)
1. Sanando inicial lacuna na MP 936, há previsão textual na Lei quanto à faculdade de aplicação “setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho” (art. 7o).
2. A Lei mantém o prazo de 90 dias, mas com possibilidade de prorrogação por prazo determinado por ato do Poder Executivo. Nesse sentido, o Decreto 10.422 de 2020 diz que o prazo previsto na lei “fica acrescido de trinta dias”, o que resulta em total de 120 dias (art. 4o).
3. A redução proporcional de jornada e salário pode ser realizada por acordo individual e/ou por negociação coletiva, nos percentuais que forem ajustados.
4. A possibilidade de constituição por acordo individual escrito se restringe aos redutores de 25%, 50% e 70%.
III – Suspensão temporária do contrato de trabalho (STCT)
1. Da mesma forma, o art. 8o da Lei prevê expressamente a faculdade de aplicação “setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho” da suspensão contratual temporária.
2. A suspensão máxima é de 60 dias, fracionável em 2 períodos de até 30 dias cada um, mas com possibilidade de prorrogação por prazo determinado por ato do Poder Executivo. O Decreto 10.422 de 2020, assim, prevê que o prazo “fica acrescido de sessenta dias”, de modo a completar o total de 120 dias (art. 3o).
3. O Decreto esclarece a possibilidade de fracionamento “em períodos sucessivos ou intercalados”, com observância de períodos mínimos de 10 dias e sem exceder o total de 120 dias.
4. A medida pode ser adotada por acordo individual e/ou por negociação coletiva.
IV – Ajuda compensatória mensal
1. No caso de suspensão temporária do contrato de trabalho, as empresas que tenham obtido receita anual superior a R$ 4.800.000,00 (ano-base 2019) terão de pagar, a título de ajuda compensatória mensal, o equivalente a 30% do salário.
2. Para as empresas com faturamento inferior, há faculdade de o empregador pagá-la, seja por previsão em negociação coletiva, seja por ajuste em acordo individual.
3. A ajuda compensatória tem natureza jurídica indenizatória.
V – Garantia provisória de emprego
1. A Lei prevê garantia provisória no emprego durante o período de aplicação da RPJTS ou da STCT, bem como pelo mesmo lapso temporal no período imediatamente posterior. A garantia de emprego, contudo, é desde logo indenizável, nos termos do art. 10, § 1o e incisos, da Lei.
2. Por óbvio, não se aplica em caso de pedido de demissão ou despedida por justa causa.
3. Para a empregada gestante essa garantia possui um termo inicial especial: após o término da garantia prevista na Constituição (ADCT, art. 10, “b”). Portanto, os períodos são somados.
VI – Alternativas pela via da negociação coletiva (CCT/ACT)
1. Na RPJTS podem ser adotados percentuais diferentes de 25%, 50% e 70%, conforme for ajustado entre as partes. Entretanto, (a) não ocorrerá concessão do BEm quando o percentual for inferior a 25%; e (b) nas hipóteses superiores a 25% há o pagamento proporcional do BEm segundo métricas definidas na lei.
2. Na STCT, para empregadores que tenham obtido receita anual superior a R$ 4.800.000,00 conforme acima, é obrigatório o pagamento, a título de ajuda compensatória mensal, do equivalente a 30% do salário.
3. As medidas previstas na Lei poderão ser adotadas por negociação coletiva, sem qualquer restrição, independentemente do faturamento da empresa e do valor do salário do empregado.
VII – Alternativas pela via do acordo individual (AcIn)
1. O acordo terá de ser formalizado (escrito), sendo possível a concretização “por quaisquer meios físicos ou eletrônicos eficazes”. Isso viabiliza o ajuste por meios “virtuais” (e-mail, mensagem via aplicativos como Whatsapp e Telegram etc – com expressão do aceite pelo empregado), embora seja recomendável o ajuste escrito e assinado.
2. Somente serão válidas as alterações feitas por acordos individuais, como regra:
2.1. Para os empregadores que obtiveram receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (ano-base 2019), apenas para os empregados com salário igual ou inferior a R$ 2.090,00;
2.2. Para os empregadores que obtiveram receita bruta igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (ano-base 2019), apenas para os empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 e, em sendo o caso de STCT, mediante o pagamento de uma ajuda compensatória mensal equivalente a 30% do salário;
2.3. De modo ampliativo, e sem os limites supra, para os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios previdenciários.
3. São possíveis as alterações previstas na Lei, por contrato individual, como exceção ao critério supra:
3.1. Em caso de redução proporcional de 25% de salário e jornada;
3.2. Em caso de redução proporcional de salário e jornada em percentual diverso ou suspensão temporária do contrato de trabalho, desde que essa implantação não resulte diminuição do valor do salário mensal até então recebido pelo empregado, mediante cômputo do BEm (quando for o caso) e da ajuda compensatória mensal a ser paga pelo empregador. Essa previsão é uma inovação da Lei em relação à previsão original da MP 936, alargando as hipóteses de incidência, mas garantindo ao trabalhador o recebimento de salário integral.
VIII – Empregado que esteja aposentado pelo INSS
1. O empregado aposentado pode ser incluído tanto na redução proporcional de jornada e salário quanto na suspensão temporária do contrato de trabalho, seja por previsão em negociação coletiva, seja por acordo individual de trabalho.
2. Quando a aplicação decorrer de acordo individual, é impositivo que haja, cumulativamente:
2.1. Enquadramento em alguma das hipóteses definidas no art. 12 (caput ou § 1o) – vide item VII, supra.
2.2. Pagamento pelo empregador de ajuda compensatória equivalente, em regra, ao mínimo equivalente do BEm. Para bem da clareza, como o empregado não possui direito à percepção do BEm, esse encargo é do empregador.
IX – Solução de conflitos entre fontes
1. Apurado conflito entre fonte normativo-coletiva (CCT/ACT) e individual (AcIn), prevalecerá o AcIn, desde que mais favorável ao empregado.
2. Se houver acordo individual e, depois, fonte normativo-coletiva, aplica- se o ajuste individual até o momento da vigência da norma coletiva, observada a regra anterior.
X – Condições e outras particularidades previstas na Lei
1. Flexibilização de requisitos legais, mediante utilização de meios eletrônicos, no âmbito da convocação, decisão e deliberação assemblear para encaminhamentos de negociação coletiva. Isso acarreta a obrigatoriedade de assembleia, ainda que eletrônica, para validade de ajuste coletivo.
2. Vedação da dispensa sem justa causa de empregado com deficiência. Isso cria uma exceção temporária à regra do art. 93 da Lei 8.213/91, que permite a despedida mediante a contratação de outro em condição semelhante.
3. Possibilidade de adoção das medidas por empregadores domésticos.
4. Faculdade de o empregado promover repactuação de descontos contraídos em folha de pagamento.
5. Previsão de incompatibilidade do art. 486 da CLT (factum principis) às situações de enfrentamento do estado de calamidade pública pelas autoridades públicas federal, estadual e municipal, o que reforça a validade e segurança jurídica dos ajustes.
6. Convalidação dos atos praticados na vigência da MP 936, segundo suas regras, inclusive aquelas que foram modificadas pela Lei 14.020 de 2020.
XI – Observações finais
Essas considerações não esgotam o conteúdo da lei; objetivam um breve roteiro sobre as possibilidades criadas pela edição da MP 936 de 2020, agora transformada na Lei 14.020 de 2020, e pelos acréscimos do Decreto10.422 de 2020. Todas as questões jurídicas suscitadas em nossos trabalhos anteriores permanecem válidas e relevantes, devendo ser consideradas no exame desta publicação.
Porto Alegre / São Paulo, 14 de julho de 2020.
Guedes, Pedrassani Advogados