Guedes, Pedrassani Advogados | Estabilidade¹ da gestante em contratos a termo
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Estabilidade¹ da gestante em contratos a termo

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Por Gianítalo Germani  e Thiago Guedes*

O tema da garantia de emprego da empregada gestante (ADCT, art. 10, II, “b”) aparentemente nunca saiu da pauta dos tribunais. Talvez seja um dos maiores indicadores do quanto ainda nos falta no caminho da segurança jurídica nas relações trabalhistas.

Uma decisão recente e unânime da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho aqueceu o debate em torno da garantia da gestante em contrato a termo.

A respeito temos atualmente a Súmula n. 244 do TST que, em seu item III, cuja redação é de 2012, diz que a estabilidade da gestante se mantém mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado – sem distinguir a causa da temporalidade do contrato, se aprendizagem, por tempo determinado típico (CLT, art. 443, caput e parágrafos 1º e 2º), temporário da Lei 6.019 etc.

A decisão da 4ª Turma, proferida nos autos da ação n. 1001345-83.2017.5.02.0041, diz superado o item III da Súmula n. 244 pela interpretação trazida pelo STF quando do julgamento do RE 629.053, com repercussão geral (tema 497). Segundo o acórdão, a decisão do STF é clara ao eleger não mais que dois pressupostos para a aquisição do direito à estabilidade pela empregada gestante: a anterioridade da gravidez à terminação do contrato e a dispensa sem justa causa. O contrato a termo, de qualquer espécie, não traria naturalmente o segundo pressuposto.

Entendemos necessárias algumas ponderações.

A primeira: no caso concreto da citada ação n. 1001345-83.2017.5.02.0041, consta que a trabalhadora não apenas teve o contrato extinto quando estava grávida, mas que também fora já contratada grávida. Embora o fato não componha expressamente a fundamentação do acórdão, não se pode ignorá-lo como potencialmente impactante na decisão.

A segunda: embora a decisão da 4ª Turma tenha sido unânime, é um sinal que precisa ser lido assim – como um sinal – de que a jurisprudência pode mudar, mas não que represente algo já consolidado no TST.

A terceira: mais recentemente, no segundo semestre de 2020, houve uma decisão do Pleno do TST, por maioria de votos, no sentido de que a garantia da gestante não é aplicável em caso de trabalho temporário. Aí a falta de unanimidade é um sinal contrário: a maioria dos Ministros concorda que a gestante contratada pela Lei 6.019 não tem a garantia de emprego, mas uma parte deles, ali vencida, entende o contrário. Ou seja, a pacificação do tema não está no horizonte nem nesse plano restrito do trabalho temporário.

A quarta: logo antes, em julho, o TST julgara o tema n. 0002 da sua tabela de Incidentes de Assunção de Competência, também por maioria (com oposição de 9 Ministros), fixando a seguinte tese: É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Tratou-se ali também somente do trabalho temporário.

A quinta, derradeira e mais importante ponderação demanda olhar-se com calma para a decisão do STF no RE 629.053, proferida – e isso também é relevante – em recurso interposto pela empresa (de um caso envolvendo contrato de aprendizagem); discutia-se ali se era relevante ou não o empregador e a própria empregada terem tido ciência prévia da gravidez mediante atestado ou laudo médico; a empresa recorreu sustentando que a garantia só se iniciaria a partir da ciência expressa.

No caso, o Ministro Relator, Marco Aurélio, votou pelo provimento ao RE para dizer inexistente o direito à garantia. Ao final do voto, propôs uma tese de repercussão geral que, embora vencida, pelo menos era clara quanto ao que se estava decidindo. Propôs: A gestante possui direito à estabilidade no emprego desde que o empregador tenha ciência do estado gravídico em momento anterior ao da despedida imotivada.

O Ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência, ao cabo vencedora por 6×1, e propôs a seguinte tese, que é a que ficou conhecida: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa – uma redação que desborda dos fundamentos da decisão: o caso tratava da relevância ou não da ciência prévia; a tese foi redigida a rigor para dizer que não importa a ciência prévia, bastando o fato da gravidez; acabou dizendo no final “dispensa sem justa causa” , o que não se discutia no acórdão.

É nesse cenário que a decisão da 4ª Turma do TST – ao nosso ver equivocadamente – citou a decisão do STF no RE 629.053 como um precedente para a discussão sobre incidência ou não da garantia da gestante nos contratos a termo em geral (tema do item III da Súmula 244 citada), resultado a que se pode chegar pela leitura somente da tese jurídica fixada, mas não com a leitura da fundamentação da decisão, que diz sobre ciência prévia ou não da gravidez (tema do item I da Súmula 244).

Talvez o caso seja mais um exemplo, de tantos, da crítica que a doutrina dirige ao modo pelo qual o Direito brasileiro está abraçando o sistema de precedentes anglo-saxão, em que os casos são estudados a fundo pelos fundamentos de cada decisão, o que é diferente do costume pátrio de tomar em conta as súmulas, orientações jurisprudenciais e teses jurídicas fixadas pelo seu conteúdo de face.

 


¹ Aqui usamos estabilidade e garantia provisória como expressões sinônimas, acompanhando a linguagem mais frequente da jurisprudência. Tecnicamente a hipótese da gestante é de típica garantia de emprego, porque não prepondera sobre a despedida motivada e possui caráter temporário.